terça-feira, julho 27, 2010

O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro

quinta-feira, julho 15, 2010

Te entrego um sentido

Se não quer meu sentido, não posso suportar teu pêndulo.

Mas assim é melhor:

abraça meu sentido e cuida.
E teu pêndulo não ferirá.

Movimento lembrado

Nada será inteiro para o homem
pois os sentidos nada capturam.
Tudo que existe são coisas que somem.

Meus olhos não tem mãos,
nada agarram.
Minha pele sente.
Depois saudade.

A memória é pista do meu eu.
Sussurra-me à noite:
És toda tua vida, além de hoje.
É um passáro de muitas faces
que entrega-me diários rasgados.
Com estranheza reconheço neles
a história dos meus passos.
As páginas lembram-me no amanhecer
sou amante ou amado
ou triste ou enraizado.

Memória é um belo espelho de estilhaços.

Tudo que é vivo é fragmentado.
Pois o que fica é somente o movimento
lembrado.